quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Gabriel

Chamo-me Gabriel e tenho dez anos. Ninguém brinca comigo, ninguém me olha verdadeiramente, todos querem-me longe… Sou uma criança, e como qualquer uma, preciso de brincar, sentir-me acompanhado e reconhecido. Mas, se me aproximo, o ar torna-se pesado, inúmeros olhos, cada par com um olhar depreciativo, mas diferentes de par em par, observam-me. Medo, aversão, desprezo são alguns dos olhares que decifro no meio de tantos outros. Paro. E o sorriso com que me aproximara desvanece… Por que me desprezam tanto? Sinto-me tão só…
Fora feliz, anos atrás, quando tinha os meus pais a meu lado, olhando e cuidando-me, mas assim o destino não o quis por mais tempo que fosse. Recordo com muito carinho meu pai, admirador de um grande poeta português que, com bastante frequência, lia e recitava a minha mãe e, ocasionalmente, a mim também. Um verso que ele proclamava desse mesmo poeta, quando desolado, era, «Pensar incomoda como andar à chuva», e andar à chuva, confesso, nem eu nem meu pai gostávamos, apesar da chuva, hoje, não me incomodar e o pensamento de estar só me atormentar. A chuva hoje faz parte de mim, enche o rio desconhecido que escorre há dias nos meus olhos, estes que, embora negros, em outros tempos foram brilhantes, cheios de alegria, felicidade e amor, porém, estes olhos negros, que a terra há-de comer, mais escuros se tornaram no decorrer do tempo.
A minha única companhia é inanimada, um urso de peluche de nome Branco, a cor da paz, ele que, ao invés de muitos, compreende-me, ainda que seja com silêncio, mas um silêncio que só ele sabe dar. Queria tanto ter uma palavrinha amiga, ouvir alguém dizer “Vem..”, mas só escuto o oposto: “Vai!”. Por que não gostam de mim? Será que é por não ter já meus pais que o mundo levou? Isso faz de mim um monstro, uma aberração que impede a aproximação e o amor de outros? Não sou um monstro! Sou, sim, sozinho… Vivo isolado, só. A solidão habita em mim e ninguém reconhece a minha existência… Queria, meramente, que alguém tomasse consciência do quanto me sinto abandonado. Alguém! Por favor, alguém…. …. …. …. …. …. Hum..? Quem és?... Queres que....agarre a tua mão?
Sorri..

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