domingo, 22 de março de 2009

Desabafo (2 de 100)

No fundo o que eu queria era uma família. Era poder contar com uma casa cheia de gente. Dois filhos educados Uma mulher que me ame. Um cão brincalhão. E uma fonte de rendimento suficiente. Não peço muito. Peço o sonho citadino. NEM em sonhos sou original. É terrível. É horrível. É uma merda. Oiço sons e músicas de artistas demasiado bem pagos. Tento me distrair. Vejo futebol, atletas que recebem por alguns dias de trabalho, mais do que eu alguma vez receberei por ano. Vejo-os a brilharem para mim. Espero que seja para mim. Todo resolve-se numa grande confusão de hábitos e costumes presumíveis. Perco tempo com idiotices preocupantes. Sou um tolo. Sou um idiota. Sou inútil. Nem é a auto-estima que me falta, é mesmo a inteligência. Reconheço a minha falta de esperteza, e contudo, não me sinto de nenhum modo mais inteligente.
Gostava de expressar esta minha angústia. Gostava de descobrir a melhor maneira de me fazer entender. Mas só consigo contar com estas palavras. Com esta pouca gramática que não esqueço. Estes sons viciados. Estas maneiras demasiado comuns. Demasiado estúpidas. Incompreendidas. Fracas. Que ódio. Sinto me sujo. Sinto-me incompleto. Gostava de poder ter uma família. Daquelas que aparecem nos filmes. Nos posters de publicidade. A particionar um produto qualquer, com um rótulo engraçado e uma utilidade sem dúvida dispensável. E aí ficaria, calmo e sereno. Sem preocupações ou confusões. Desde que pudesse sorrir. Que me pudesse dar por satisfeito. Sossegado. Alegre. Com um sorriso branco. Um filho aos pulos. Um cão com a língua de fora. Uma mulher a abraçar-me. Uma casa com móveis limpos e uma varanda fantástica. Uma comida na mesa e uma inocência gigante.
Entendo as drogas. Entendo a bebida. Entendo a loucura. Que razão temos nós para ficarmos sóbrios? A existência é a descer e contudo, procuramos cultivar um corpo que não aproveitamos. Desperdiçamos tempo com programas idiotas e incultos. Caminhadas longas e gente oca. Entendo quem quer fugir. Não valorizo a coragem de quem se levanta e enfrenta a vida. A vida? Qual vida? É corajoso erguer o pescoço e enfrentar uma sociedade que nos abafa? Que nos controla? Que nos manda parar e obedecer? Onde está a coragem, pois não a vejo. É ridículo, não há coragem em enfrentar uma sociedade em que a minoria manda e mata. E o resto abafa no silêncio. A coragem está em quem entende que é preciso saltar. Que é preciso sair daqui. Porra abandonar o navio! E quem sabe, fazer alguma coisa de jeito. Saltar para fora e tentar a sorte, longe deste barco que vagueia por mau porto. Aluanar-se em silencio. Ou foder o sistema. O homem por de trás da cortina. É preciso cortar-lhe o pescoço, que está demasiado alto e que tudo vê. É preciso abafar o seu poder. É preciso magoar, para poder viver. Finalmente viver.

1 comentário:

Anónimo disse...

Nunca comedido em palavras, mas sempre bem.
É esse o teu estilo ;)
Abraço