sábado, 11 de outubro de 2008

Um dia que me marcou

Estava no passeio. Ao meu lado, o meu primo mais novo. Estávamos a caminhar para uma feira do livro. Para o meu primo, era completamente indiferente o destino dessa noite. Não sabe ler. Para ele, os livros bons, são os que têm muitas imagens. É novo. Por vezes, em graça, perguntamos se quer aprender a ler. E com uma sinceridade nua e crua, responde que não. Responde que os adultos nunca têm tempo para brincar, pois estão sempre a ler e a escrever. Vê na escrita, o fim do seu lado infantil. Não me preocupo. Sei que um dia vai aprender a ler e a escrever.
O passeio continua. Ao longe avistamos a feira do livro. Mas o caminho ainda é longo. Passam carros, não muito longe. Gente passa de um lado para o outro. Barulho e confusão misturam-se. Uns gritos, uns passos, uns risos. Não me consigo abstrair. Tantas faces diferentes. Tanta gente, tanta mente. Procuro algum lugar calmo e sossegado para olhar. Mas nada me acalma. Os prédios são coloridos e altos, mas mortos de gente e emoção. A estrada é alcatroada, com uma cor gasta e negra. O passeio é sujo de beatas e desgosto. Não encontro nada belo para olhar. O rio passa, não muito longe de mim. Pego no meu primo e afasto-me da minha sociedade vendida. Olho para a água. Alguns peixes bóiam, mortos. A água é suja e poluída. Ninguém à minha volta admira a água. Chamam-me, a mim e ao meu primo. Voltamos para o nosso passeio para a feira do livro.
Encontro-me perdido. Não me sinto bem. Tanta gente. Tanta criação humana. Sem propósito, significado ou beleza. Está tudo gasto e usado. As caras frustradas e cansadas. Não gosto de estar aqui. Preciso de algo calmo para olhar. À minha volta é tudo estranho e feio. Preocupo-me com o meu olhar. Preocupo-me com o mundo estranho onde habito. Preocupo-me… “Olha um pássaro.” Acordo desta perdição mental. O meu primo avista um pássaro. “Onde?” Procuro pelo pássaro, mas não vejo nenhum. Ele aponta, sorridente. Olho uma e outra vez. Nada. Só carros. Gente. Caras desconhecidas. Barulho. Uma sirene ao longe. Mas nada de calmo e belo. Nada bonito de se ver. O meu primo insiste.
Subitamente, avisto o pequeno pássaro. Em cima de um ferro, de um edifício por concluir. Não está muito longe de mim. Consigo distinguir a sua cor castanha. De um castanho vivo, que nenhum edifício consegue reproduzir. Com um olhar descontraído, simples, quase que humano. Mais humano que todos os olhares drogados e excitados que se cruzam à minha volta. E subitamente, voa. O meu primo mais novo, ainda mantém o olhar sobre o pequeno pássaro. Estica as asas e voa alto. Com uma liberdade que nunca experienciei. Voa até lhe perder o rasto. Sorriu. Algo belo para alegrar a minha noite. Algo belo para recordar e acalmar o meu espírito, confuso e cansado. Fico, inesperadamente, feliz. O meu primo puxa a minha mão. “Vamos.” Caminhamos de novo, os dois juntos, no nosso passeio alegre e feliz para a feira do livro.

11.10.08

2 comentários:

Ni disse...

És especial...

Camisa Negra disse...

Perdido já em memórias decidi ver as deste blog.
Devo-te dizer meu amigo ingrato que esta memória de Outubro, seu 11º dia, está realmente muito boa.
Por entre muitas coisas e acontecimentos passados que se ouvem mas não se presenciam (e agora não falo do texto - espero que entendas a frase) digo-te, és muito mais que aquilo que aparentas ser, embora já o devas saber. ;)
Um forte abraço